As cartas que mandei para meu pai

Ontem, revendo meus arquivos secretos, encontrei uma carta, endereçada a meu pai, Zebinho Dutra, datada de 16 de janeiro de 1972, naquele tempo morava no Rio e telefone, para nós lá em Miracema, não existia e o contato era todo feito por cartas quase diárias para contar as novidades e matar a saudade.

Mas por que você fala em carta neste momento? Perguntaria o amigo do outro lado. O assunto era futebol, falava do Flamengo, em um mal momento, mas que no dia anterior realizara um grande feito, típico do time da Gávea, por sinal foi um jogo que ficou na história por ter servido de inspiração a Jorge Ben compor uma das suas pérolas do repetório, e porque gostaria de fazer uma comparação com o time daquele tempo com o de hoje 

Na carta eu dizia assim: - Pai, ontem fui ao Maracanã, não estava lotado, ver o Benfica, que não trouxe o Eusébio, seu xará, e vi o Flamengo vencer o campeão de Portugal com autoridade, o tal de Fio, um maluco que a torcida adora, fez um golaço e Paulo César, o Cajú, joga muito, pai, é o que salva naquele time ruim do Flamengo, ele o Reys são excessões,

E em outra carta, dois ou três meses depois, eu contava para meu pai que  tinha ido aos pequenos estádios para ver os jogos do Campeonato Carioca e gostado do que vi, embora o time tivesse Caio Cambalhota e Rogério, tinha também Doval, o gringo, que jogava com alma e amor a camisa. 

- Pai, fui ao Maracanã novamente, o senhor me ensinou a gostar de ir naquele lugar e fiquei freguez assiduou, e sabe o que vi? O senhor nem vai acreditar, Flamengo x São Cristóvão, nove horas da noite, e voltei a pé para casa, mas valeu a pena, Doval estava com a macaca, fez três gols, e Paulo César arrebentou com os caras, fez dois e fez até chover, e como choveu na noite de quarta-feira, pai. 

E assim era todas as vezes que o Flamengo vencia, e por falar nisto, naquele ano de 1972, a decisão do primeiro turno foi contra o Fluminense, vencemos por 5x2, desta vez foi Caio que marcou três vezes, e, na decisão do Campeonato Carioca, outra vez contra o Fluminense, o Flamengo venceu e ganhou o título com uma vitória por 2x1 e com mais de 150 mil pessoas no velho Maracanã, claro que teve carta, mas esta eu não encontrei. 

Sabe porque lembro isto agora? Como seria a carta que escreveria para meu saudoso pai neste momento? Como eu diria que o grande craque do Flamengo é um corredor, sem jeito e que a torcida começa a gostar dele? Como dizer que o cara que diz querer ser o novo Zico não joga dez por cento do que jogava Doval e que Caio, nosso atacante de 72, tinha lugar tranquilamente neste time de hoje?

Se contasse isto numa carta, para meu pai, ele brigaria comigo, ele detestava o Caio, adorava o Doval, e se um cara destes de hoje, que jogam no time de Luxemburgo, jogasse naquele tempo não entraria em campo nem mesmo para compor elenco, e olha que naquele time, que era comandado por Zagallo, até o excelente Samarone era banco, se Samara jogasse hoje seria o camisa 10 que Luxa está procurando. 

Ah! Eu não diria ao meu pai que Vicentinho, um horrível ponta, teria lugar neste time de hoje e que Moreira, um lateral que veio do Botafogo, poderia ser o substituto do Léo Moura, papai teria um novo infarto e morreria outra vez ao saber desta sandice contada por mim. 

Pai, tenho muita saudade do senhor assim como  tenho saudade do tempo que ver o seu Flamengo era um programa feliz e não uma aventura, afinal a gente saia de Miracema e chegava ao Maracanã com segurança e alegria, hoje, meu pai, não dá para fazer aqueles programas nunca mais, já pensou sair da Rua José Higino, a pé, para ver o jogo no Maracanã? A gente não teria dinheiro para comprar ingresso, hoje roubam tudo da gente, pai.

Saudade né mesmo? De vez em quando me bate esta loucura e venho aqui para contar e desabafar com os amigos. Abraço.